Entrevista com Eugênio Deliberato, presidente da Anip

O ritmo crescente das importações de pneus, o atraso cambial e a guerra dos portos, além do Custo Brasil e a pesada carga tributária nacional – que agregados criam um ambiente de ‘concorrência desleal’ para a indústria brasileira de pneus – foram alguns dos temas retratados em entrevista por um dos principais executivos do setor, Dr. Eugênio Deliberato, presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) e da Reciclanip.

O ritmo crescente das importações de pneus, o atraso cambial e a guerra dos portos, além do Custo Brasil e a pesada carga tributária nacional – que agregados criam um ambiente de ‘concorrência desleal’ para a indústria brasileira de pneus – foram alguns dos temas retratados em entrevista por um dos principais executivos do setor, Dr. Eugênio Deliberato, presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) e da Reciclanip.

Para caminhões e ônibus, as importações somaram US$ 605,9 milhões e as exportações US$ 535 milhões, com déficit de US$ 70,9 milhões – segundo ano consecutivo de prejuízos para esse tipo de produto. Já em pneus de passeio, foram importados US$ 613,3 milhões e exportados US$ 591,2 milhões, com déficit de US$ 22 milhões – primeiro déficit na série dos últimos 10 anos.

“O mundo está olhando para o Brasil (setor automotivo em ascensão e PIB positivo) como uma forma de escoar seus excedentes de produção. O Brasil está sendo um mercado comprador, uma coisa que os Estados Unidos, por exemplo, um dos principais mercados compradores de pneus brasileiros não está sendo”, disse Deliberato que vê nessa questão um dos grandes desafios para a indústria brasileira de pneus neste momento.

O presidente da Anip deixa claro que, em que pese as condições anormais de pressão e temperatura do mercado interno e externo, a indústria não deseja uma reserva exclusiva de mercado para si. “Temos esse grande desafio e não queremos reserva de mercado. O que queremos é uma coisa simples, concorrência leal, só isso”, disse.

Concorrência leal

Para Deliberato, o conceito de concorrência leal passa pela igualdade de direitos, expressos por uma taxa de câmbio de equilíbrio, equidade tributária, fiscal, alfandegária e atendimento a premissas, pelas autoridades governamentais, de ocorrência da prática de dumping no setor.

“Pneu é uma commodity internacional e ninguém pode ter preço diferente na medida em que o preço da borracha sintética, da borracha natural, do aço e dos produtos químicos que são usados para a construção dos pneus são os mesmos para todos, são dados igualmente para todas as empresas ao redor do mundo. Então eu pergunto: como os importadores conseguem trazer pneus para o Brasil com preços que são impraticáveis pela indústria nacional?”, questiona.

Um exemplo de concorrência desleal mencionado pelo presidente da Anip está associado à chamada guerra dos portos – onde a aplicação de alíquotas diferenciadas por alguns estados brasileiros acaba por favorecer o ingresso de mercadorias estrangeiras com vantagens de preços.

“O simples fato de importadores optarem por entrar com seus pneus por portos como Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), por exemplo, implica em uma redução de custos que oscila entre 8% e 10%”, relata. Segundo Deliberato, o produtor de pneu brasileiro não tem essa vantagem, ou formas de compensar isso dentro da malha fiscal e tributária.

Ai você acrescenta o preço da taxa de câmbio que favorece o importador, a somatória é um conjunto grande de vantagem competitiva para quem importa, e uma concorrência desleal para quem tem fábrica aqui, para quem gera empregos e arrecadação de impostos aqui.”

Guerra Fiscal

Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) acerca do impacto da guerra fiscal do ICMS nas importações (guerra dos portos), mostra que a desoneração da importação é praticada por 10 estados brasileiros, dentre eles Santa Catarina, Pernambuco, Paraná, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Sergipe, Espírito Santo e Alagoas.

Entre 2001 e 2010, a prática dessa desoneração elevou a importação de bens e produtos nesses estados em 410,8% ante uma evolução de 191,7% nos demais estados que não aplicam essa prática.

Santa Catarina (Porto de Itajaí) e Paraná (Porto de Paranaguá), duas das principais portas de entrada de pneus importados da Ásia, elevaram suas taxas de participação nas importações brasileiras de 2%, em 2001, para 6,6% em 2010, no caso de Santa Catarina, e de 6,3% para 7,7% no Paraná.

Segundo o estudo da Fiesp o tamanho da desoneração sobre produtos importados através desses estados gerou uma perda de arrecadação de US$ 14,2 bilhões aos cofres brasileiros.  Para se ter uma ideia do que isso representa, se esses US$ 14,2 bilhões tivessem sido empregados como investimento no setor produtivo brasileiro, teria gerado um crescimento de 0,6% adicionais ao Produto Interno Brasileiro (PIB).  Mas mais contundente ainda, é que teriam sido gerados 771 mil empregos no Brasil.

Mantida a prática de benefícios aos importadores, esses estados estariam patrocinando a NÃO abertura de 859 mil novos empregos entre 2011 e 2015, atesta o trabalho da Fiesp.

Ou seja, os estados que praticam a desoneração de ICMS aos importadores podem até ter aumento de arrecadação, mas o efeito destrutivo sobre a soma global da indústria nacional e do emprego é latente: deixamos de crescer 0,6% a mais no PIB e deixamos de gerar empregos aqui, aumentando a arrecadação dos países que exportam para cá, e patrocinando a geração de empregos lá fora, algo que se insere e corrobora o conceito de concorrência desleal mencionado pelo presidente da Anip.

Grandes desafios

Entre os grandes desafios associados ao setor externo para este e os próximos anos, o presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Eugênio Deliberato, elenca a questão das importações oriundas dos países asiáticos, “o principal problema enfrentado hoje pela indústria brasileira de pneus.” As estimativas apontam que em 2011, 22% dos pneus que rodam no Brasil já são de produtos importados, “uma proporção que pode bater nos 40% em curto prazo”, diz o executivo.

“Na verdade é um problema mundial, mas também temos problemas hoje com a Argentina, que busca elencar toda sorte de questões para barrar a entrada de produtos brasileiros em seu mercado”, relata o executivo, que chama a atenção das autoridades brasileiras para o fato.

sair em defesa de sua indústria, de criar mecanismos de defesa, ou simplesmente consolidar condições de competição iguais a todos.

“As importações realizados pelos Portos de Itajaí e Paranaguá são um exemplo disso”, disse Deliberato.

Com base nas informações prestadas pelo presidente da Anip, em pesquisa paralela à entrevista, sobre a base de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e constatou que os portos de Itajaí (SC) e Paranaguá (PR), que aplicam a desoneração de ICMS aos importadores de bens e produtos em geral figuraram como as principais portas de entrada de pneus para caminhões e ônibus e para veículos de passeio em 2011, fato que corrobora as informações de Deliberato.

Pelo Porto de Itajaí (SC), que liderou as importações de pneus de caminhão e ônibus sobre todos os demais portos brasileiros em 2011, deram entrada US$ 161,3 milhões em produtos desse segmento, ante US$ 59,8 milhões pelo Porto de Paranaguá (PR). O segundo maior movimento de importação de pneus para esse segmento se deu através do Porto de Vitória (ES), de US$ 148,6 milhões em 2011. Vitória também aplica a desoneração de ICMS que beneficia os importadores de bens e produtos que ingressam no Brasil.

Já em relação às importações de pneus para veículos de passeio, foram US$ 119,4 milhões pelo Porto de Itajaí (SC) – abaixo apenas das realizadas pelo Porto de Santos (SP), com US$ 121,4 milhões (São Paulo não aplica a desoneração de ICMS). Pelo porto paranaense de Paranaguá, as importações somaram US$ 81,5 milhões.

Pelo Porto de Itajaí

Pelo Porto de Itajaí (SC) ingressaram em 2011 as somas de US$ 21,6 milhões em pneus de caminhões e ônibus chineses e US$ 49,2 milhões em pneus de veículos de passeio desse país.

Pelo mesmo porto, deram entradas US$ 49,1 milhões em pneus de caminhões e ônibus oriundos da Coréia do Sul e US$ 19,5 milhões de pneus para veículos de passeio desse país.

Dos US$ 280,8 milhões em pneus importados através do Porto de Itajaí em 2011 – soma de pneus de caminhões, ônibus e passeio – US$ 70,9 milhões foram de pneus chineses e US$ 68,6 milhões em pneus coreanos. Outros US$ 17,9 milhões foram de pneus de Taiwan e US$ 14,7 milhões em pneus japoneses.

Pelo Porto de Paranaguá

Pelo Porto de Paranaguá (PR) ingressaram US$ 11,3 milhões em pneus de caminhões e ônibus chineses e US$ 34,4 milhões em pneus de veículos de passeio desse país, totalizando US$ 45,7 milhões.

Os coreanos foram os maiores importadores de pneus de caminhões e ônibus via Paranaguá em 2011: US$ 19,7 milhões. Para veículos de passeio, as portas de entrada foram Itajaí (SC) com US$ 19,5 milhões, Santos (SP), com US$ 14,2 milhões, e Vitória (ES), com US$ 7,2 milhões.

O dragão chinês

Com relação à China, o país que mais traz pneus importados ao Brasil, o desenho da balança comercial é traumático.

Para caminhões e ônibus, o Brasil só exportou mais do importou uma vez. Foi em 2003. Foram US$ 2,9 milhões em pneus desse segmento ante importações de US$ 863,2 mil, refletindo um superávit de US$ 2,03 milhões.

A partir de 2004, todos os anos as importações chineses foram maiores que as exportações brasileiras, chegando à seguinte situação: o Brasil não exportou um único pneu para a China em 2011 e comprou US$ 66,8 milhões.

Para veículos de passeio, a balança comercial entre os dois países é deficitária ao Brasil há nove anos consecutivos. De 2003 a 2011 todos os resultados foram positivos para a China, chegando ao recorde em 2011 quando o superávit chinês somou US$ 176,2 milhões.

A indústria brasileira de pneus deve encerrar 2012 com uma taxa de crescimento entre 2% e 3%, em linha com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A estimativa foi apresentada durante entrevista exclusiva concedida pelo presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Eugênio Deliberato.

“Ainda não temos os números fechados de 2011, mas posso estimar algo próximo do PIB, embora tenhamos condições de crescer muito mais, tudo depende das condições de mercado que estamos enfrentando neste momento, como uma crise externa e um processo de concorrência desleal motivada pelos produtos importados”, disse. A Anip deve divulgar os números de 2011 após o feriado de Carnaval.

Na visão de Deliberato, a indústria brasileira de pneus tem plena capacidade para crescer de forma mais consistente, “até porque precisamos de taxas mais fortes de crescimento para recuperar as perdas que estamos acumulando desde 2008”, disse.

Fatores positivos

Três fatores positivos correm a favor do setor, lembra o presidente da Anip. São eles os grandes projetos de infraestrutura ancorados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – iniciado pelo ex-presidente Lula e tocados agora pela Presidente Dilma Rousseff – além dos investimentos necessários para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas em 2016.

“Muitos investimentos já foram iniciados, outros estão em curso. Hoje nós já temos um parque industrial capaz de crescer 5% a 6% ao ano, mas infelizmente isso não vai acontecer. Precisamos ser realistas, olhar o quadro externo e os desafios internos, por isso acho que 2% a 3% são números mais factíveis para 2012”, disse.

Um dos grandes desafios que está se impondo a todas as empresas no mundo é a questão da sustentabilidade e o respeito ao meio ambiente, o que representa grandes investimentos em novas tecnologias, novos produtos, principalmente no chamado produto verde, ou no caso do setor de pneus, do pneu verde.

Na visão do presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Eugênio Deliberato, a indústria brasileira de pneus não apenas está alinhada ao que acontece ao redor do mundo como possui um dos parques industriais mais modernos do mundo.

“As principais empresas produtoras de pneus do mundo têm fábrica aqui”, relata ao descrever um setor com mais de 100 anos de atuação no Brasil e responsável por 1% do Produto Interno Bruto da indústria brasileira de transformação.

“A indústria brasileira de pneus paga o maior salário da indústria de transformação. Muitas pessoas não sabem disso, mas o maior salário médio pago aos trabalhadores desse segmento está na indústria de pneus”, lembra o presidente da Anip.

Segundo Deliberato, o salário médio de um colaborador na indústria brasileira de pneus é superior a R$ 3.000,00 mensais. “Isso sem contabilizar participações nos lucros e resultados e a série de benefícios como planos de saúde, material escolar, vales transporte, alimentação, o que nos coloca entre os melhores setores em remuneração do País”, destaca.

“Por todas essas questões que estou apontando, você acha, por exemplo, que a questão da sustentabilidade, das novas tecnologias que envolvem o pneu verde, ou a lei de rotulagem de pneus na Europa nos assusta?”, disse ele indagando e ao mesmo tempo respondendo: “claro que não. Caminhamos juntos, alinhados com as principais tendências globais e isso faz parte das regras do jogo”, disse.

Para Deliberato esse aparelhamento tecnológico e a importância do setor para a economia nacional é que o leva a criticar o modo como as coisas estão se desenvolvendo no Brasil e que são facilmente entendidas no conceito de concorrência desleal.

“Veja que somos tudo isso, que temos tudo isso e é um pecado permitir que os importadores prejudiquem isso. Eu pergunto mais uma vez: lá nos países de origem eles pagam salários tão bons? Aqui, se eu pago R$ 100 de salário tenho que recolher R$ 220 na forma de benefícios ao trabalhador. Será que eles têm de fazer isso em seus países de origem? Quais são os salários que eles pagam, quais são as condições de trabalho que eles asseguram aos seus trabalhadores?”, disse.

Novas empresas no Brasil

Questionado sobre a possibilidade de entrada de novas empresas no setor, como recentemente anunciou a Sumitomo, que está construindo uma unidade produtiva no Paraná, Deliberato destacou que a Anip recebe um sem número de empresas estrangeiras do setor sobre como se instalar no Brasil.

“Recebemos muitas sondagens, visitas e contatos, mas a grande questão é que ao verem o Custo Brasil, a desoneração para produtos importados, o câmbio desvalorizado, eles fazem a conta e chegam à conclusão que, da forma como está vale mais a pena se manter como importador do que construir uma fábrica aqui. Vale mais a pena se servir de condições de mercado desleais do que encarar uma concorrência leal, onde valem as mesmas regras para todo mundo. Então eles preferem ficar como estão, vendendo, vendendo e vendendo, sem o menor compromisso com o povo brasileiro”, disse.

Sobre o interesse da Hankook em instalar sua primeira fábrica em algum país da América (Estados Unidos, México ou Brasil), o presidente da Anip foi duro.

“Eu vou te responder com uma pergunta. Qual a opção que eles têm? Qual é a melhor opção para eles? Eu respondo: é o que resta. Quais são as opções que existem no mundo hoje? A Europa parece que não, o México ou Brasil? Parece que o vigor da economia brasileira é bem maior que o vigor da economia mexicana. Estados Unidos ou Brasil? Os EUA estão começando a acordar, mas lá o jogo é pesado, um mercado de competição, duro, mais claro, mais transparente. O Brasil, hoje, para quem não está instalado aqui é um paraíso, mas quem entrar, vai ter de encarar um mercado de competição, que não se resume a vender, vender e só vender. Aqui tem de pagar o maior salário da indústria de transformação, brigar com o câmbio, com a desoneração de ICMS para importador…….”

Em anúncio recente feito pela China Rubber Industries Association (CRIA), a Anip chinesa, a CRIA destacou em relatório o desejo de extinguir das linhas de produção de pneus daquele país, os produtos diagonais.

“Essa é uma tendência global”, disse o presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Eugênio Deliberato. Segundo ele, 70% dos pneus que rodam no Brasil são radiais e os programas desenhados pela entidade, em parceria com as indústrias nacionais, prevê, há anos, esse processo de relativização dos diagonais nas linhas de produtos e de produção da indústria brasileira.

“Quem usa diagonal é país subdesenvolvido. Um pneu diagonal, além de prescindir do uso de câmara, roda 20 mil quilômetros ante um radial, sem câmara, que roda fácil, fácil 80 a 90 mil quilômetros. A performance de um e de outro é incomparável, além de ser um produto fora do conceito de sustentabilidade. Roda menos, usa mais material, se desgasta mais rápido, não tem os mesmos requisitos de segurança de um radial. Nos Estados Unidos, a indústria de pneus já não fabrica mais, mas na China ainda são produzidos.”

Segundo a CRIA, em 2011 foram produzidos 500 mil unidades de pneus diagonais.

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