Entrevista com Rinaldo Siqueira Campos, presidente da Abidip

“O Brasil nunca importou tanto pneu como no ano passado. As estimativas apontam que entre 40% e 45% dos pneus comercializados hoje no Brasil são de importados”, relata o presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus (Abidip), Rinaldo Siqueira Campos.

O Brasil bateu recorde de importação de pneus em 2011. Só entre pneus para caminhões, ônibus (US$ 605,9 milhões) e veículos de passeio (US$ 613,3 milhões) foram US$ 1,219 bilhão, um resultado que representou o segundo déficit comercial consecutivo na balança comercial para pneus de carga e o primeiro para o segmento de veículos de passeio dos últimos 10 anos.

“O Brasil nunca importou tanto pneu como no ano passado. As estimativas apontam que entre 40% e 45% dos pneus comercializados hoje no Brasil são de importados”, relata o presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus (Abidip), Rinaldo Siqueira Campos.

Segundo ele, entre as vantagens do importado estão o preço mais baixo e a qualidade superior, fatores que, em um ambiente de concorrência leal são positivos e forçam a indústria nacional a reduzir os preços de seus pneus e a buscar uma melhoria contínua das tecnologias e compostos empregados em seus produtos -, a fim de oferecer um produto a altura do importado.

Mas para quem pensa que Rinaldo Siqueira Campos é só elogios para a importação de pneus se engana totalmente. “Há grandes e sérios problemas no setor, questões que precisam ser ajustadas urgentemente”, diz ele em tom crítico. “Muitos desses problemas passam pela atuação das autoridades governamentais”, relata o executivo ao apontar para questões relevantes e polêmicas como a prática de contrabando, de subfaturamento e de fraudes – fiscais e tributárias – nas importações de pneus realizadas no Brasil.

“São coisas desse tipo que me levam a dizer que há uma concorrência desleal no mercado brasileiro, algo que prejudica não só a indústria brasileira de pneus, mas também os importadores independentes que querem trabalhar honestamente, dentro de regras legais e leais de mercado, mas não conseguem”, afirma o presidente da Abidip – num posicionamento similar ao apontado pelo presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), Eugênio Deliberato.

Como foi 2011 para o setor importador de pneus?

Rinaldo Siqueira Campos – Para o grupo de 33 importadores independentes que faz parte da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus, 2011 foi um ano muito difícil.

Apesar desse nicho de mercado estar crescendo na média de 30% ao ano, na série dos últimos anos, há uma concorrência desleal que prejudica quem quer trabalhar dentro das regras de mercado.

Para um importador que estava agindo e que continua agindo dentro da fraude e da ilegalidade, o mercado brasileiro é muito promissor. Esse importador fechou 2011 com crescimento superior a 50%.

A indústria nacional projeta um crescimento não superior a 3% no ano passado. Pelo jeito, o grande filão foi e continuará sendo a importação?

RSC– A minha empresa cresceu 6% no ano passado, o que representa um bom número, um número mais próximo da realidade. Para nós, importadores independentes, a dificuldade foi e está sendo a de manter nossos clientes, manter o ritmo de contratação de produtos junto aos fornecedores internacionais diante de um mercado que canibalizou os preços. Não dá para explicar como o seu produto, pago dentro das regras fiscais, tributárias e da legislação brasileira, chega a US$ 100, por exemplo, e o seu concorrente (importador) oferece um pneu similar a US$ 60.

Qual a mágica que permite essa diferença brutal?

RSC– Subfaturamento. Contrabando existe, mas isso é coisa de polícia, é difícil para uma instituição como a Abidip provar, mas subfaturamento é fácil. Temos documentos e todas as informações necessárias para que as autoridades competentes possam agir.

Quer dizer que o governo sabe quem faz essas coisas e não age?

RSC– Estamos muito descontentes com essa situação. Há mais de dois anos buscamos atitudes mais fortes por parte das autoridades governamentais e essas atitudes não acontecem. Ouvimos apenas promessas. Nós trabalhamos sobre uma legislação pesadíssima, draconiana, típica de regime autoritário, mas mesmo assim nós concordamos com ela, montamos nossas empresas e nossos negócios respeitando o que pede a legislação, mas o que estamos vendo é que essas regras, essas leis, esses códigos não são aplicados. Ninguém age.

Diante desse contexto, qual o papel da Abidip?

RSC– Nós estamos tomando diversas iniciativas, sendo uma delas, a de agregar na Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Pneus os importadores independentes que querem trabalhar honestamente.

Existem perto de 80 importadores independentes no Brasil, e a Abidip já reúne 33 deles. Acredito que possamos fechar 2012 com 50 associados. Hoje, cada empresa associada conta, em média, com 60 empregos diretos, sendo indiretamente, um quadro superior a 20 mil trabalhadores.

A princípio, os executivos do setor não tinham informações sobre as questões que envolvem o seu negócio. A partir do momento em perceberam a importância de obter essas informações, eles perceberam que há a necessidade de se unir e isso está acontecendo no ambiente da Abidip.

Um exemplo disso são duas fábricas coreanas que atuam fortemente no Brasil, via importações. Essas empresas atuam dentro das regras de mercado, com lisura, acompanham os procedimentos e operam dentro do conceito de concorrência leal. As duas são associadas à Abidip.

Certamente estamos falando da Hankook e da Kumho. Até elas se sentem prejudicadas?

RSC – Todos os importadores independentes que querem trabalhar honestamente estão sendo prejudicados. O que nós defendemos é a lisura dos processos de importação e comercialização. A concorrência desleal está afetando a competição. A importação é sadia na medida em que promove essa competição com o produto nacional, mas o desregramento atingiu tal ponto que até entre os importadores essa concorrência desleal está sendo prejudicial.

Relatórios recentes de balanço da Michelin e Goodyear, por exemplo, tocam na questão do problema da importação de pneus no Brasil, como um fato negativo para o desempenho do mercado interno. Como a Abidip vê isso?

RSC –A indústria brasileira de pneus diz que os pneus importados já representam 45% do mercado interno. É verdade. O pneu importado já representa sim, mais de 40% do mercado brasileiro, mas o que os fabricantes de pneus instalados no Brasil não falam é que eles e as montadoras de veículos têm quase 50% do volume de pneus importados.

Vou repetir: a indústria brasileira de pneus, mais as montadoras, representam 50% da importação de pneus no Brasil. Dos outros 50% que são importados por empresas independentes, 30% estão nas mãos de três ou quatro mega importadores, restando 20% do mercado de importação para cerca de 70 empresas independentes.

O Brasil importa US$ 550 milhões em pneus por ano, o que equivale a 25 milhões de unidades. Cerca de 50% disso abastece as montadoras de veículos e fabricantes de pneus instalados no país. Cabe ao importador independente a comercialização de 15 milhões de pneus.

Portanto, a verdade tem que ser dita: os maiores importadores de pneus hoje no Brasil são as próprias empresas que fabricam pneus aqui.

Há uma crítica pesada contra os pneus chineses, coreanos, indonésios. Em 2003, o Brasil importava US$ 863 mil em pneus chineses. Em 2011 foram US$ 67 milhões.

RSC –Se tivéssemos uma concorrência leal no mercado brasileiro, eu te diria que o volume de entrada de pneus, sejam eles da Ásia ou de qualquer outra parte do mundo, não seria tão grande e tão crescente como está sendo.

Seria um mercado com taxa de crescimento moderado, de no máximo 15% ao ano. Quem opera deslealmente, cresce mais de 50% ao ano.

O lado positivo da importação é o preço final ao consumidor, que chegou a cair mais de 30% ao longo dos últimos anos. Há 10 anos, um pneu nacional não rodava 30 mil quilômetros, hoje ultrapassa 70 mil quilômetros.

Esse é um efeito positivo da concorrência leal, do produto importado que segue as regras de mercado.

O problema não é a China. O problema é a fraude, o contrabando, o subfaturamento.

Nesse contexto, o ponto de vista da Abidip é muito similar ao da Anip, ou não?

RSC– Eu acho que a Anip deveria pressionar nesse sentido, no sentido da legalidade e não no sentido da proteção. Normas protecionistas também afetam e afastam a concorrência, a competição sadia e os fabricantes nacionais devem lembrar que também são favorecidos pelo livre comércio.

A posição da Abidip é muito clara: nós sabemos quem e quais são os importadores corretos, honestos. As autoridades governamentais também sabem. Portanto, basta aplicar a lei, a ordem e a correção para ajustar o mercado. Só isso.

O caso do NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) é um exemplo que pode ser enquadrado no conceito de concorrência desleal?

RSC –Isso é fraude. O governo tem o controle e não age. Muito mais do que nós, é só ele puxar o NCM de pneus e verificar porque uma empresa paga US$ 100 e outra paga US$ 60.

Empresas importadoras estão alterando o NCM dos pneus de carga para os pneus de passeio. Essa simples mudança acarreta uma diferença de IPI que é brutal. Para os pneus de carga o IPI é de 2% e para os pneus de passeio é de 15%. Mudar o NCM é fraude, crime, um desvio de 13% em cada importação e nada foi feito pelas autoridades governamentais.

Estão sendo lesados o governo federal, os governos estaduais e os governos municipais. Um pneu importado dentro das regras legais entra no Brasil a US$ 80, no mínimo. Como você explica que tem pneu importado entrando a US$ 27?

Pelos nossos cálculos, o prejuízo total gerado pelo subfaturamento de importações fraudulentas de pneus chega a R$ 500 milhões.

Se 50% das importações de pneus no Brasil são feitas pelos fabricantes nacionais, eles também estão envolvidos no caso do NCM?

RSC –Sim. Há pelo menos duas grandes empresas com fábricas no Brasil que praticaram essa fraude.

Os pneus chineses podem ser enquadrados nessa questão do NCM, ou simplesmente há a prática de dumping, conforme processo em pleno andamento, movido pela Anip?

RSC –O fato de a China estar ou não trazendo mais ou menos pneus ao Brasil é uma mera questão. Repito. A China não é problema. O produto chinês que segue as regras de mercado não é 30% mais barato que um pneu coreano ou indonésio. Ele é, em média, 5% mais barato.

Então não é o produto chinês o cerne do problema, mas sim a ilegalidade no processo de importação.

O que nos chama a atenção é que o governo tem o controle, sabe quem faz, há quanto tempo faz, está vendo o quadro se deteriorar. Ele tem o sistema na mão, o controle para ajustar isso e não ajusta, aí vira questão de subfaturamento, de fraude.

Há 10 anos, o subfaturamento na importação de pneus representava 10%. Hoje é 70%. Quem municia e controla o NCM é o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a Receita Federal. É fácil saber quem age corretamente e quem não age.

Nós da Abidip temos toda a documentação, estamos levando para o governo brasileiro essas questões, mostrando e apontando o problema e pedindo ação. O produto pneu tem uma série de revestimentos de fraude e o que acontece? Nada. O governo não age e nem resposta dá.

Qual a posição oficial da Abidip nesse contexto?

RSC –Que o governo cumpra a lei, ou então diga que esses produtos podem ser classificados como pneus de carga, porque ai todo mundo pode fazer.

Como é feita a certificação do pneu importado que entra no Brasil?

RSC –A certificação é uma das situações que o Brasil cria para proteger o seu mercado, mas não tem nada melhor que um órgão do governo brasileiro dizer que aquele produto é feito corretamente e pode ser comercializado no mercado. Um pneu estrangeiro só roda no Brasil se tiver o certificado do Inmetro.

Está em curso no governo brasileiro um rol de medidas que visa proteger a indústria nacional, como a questão da lista de 100 produtos importados elegíveis para um IPI mais alto. Diante dessa possibilidade, como ficam as importações de pneus, caso esse produto venha a ser elegível?

RSC– Para os importadores independentes que trabalham dentro das regras de mercado esse tipo de medida seria maravilhoso. Essa sobretaxa sobre o pneu afastaria de uma vez por todas as empresas que operam na ilegalidade, no subfaturamento e à margem da lei.

Mas pode virar mais uma lei como tantas outras que estão ai.

RSC –O problema do Brasil é a impunidade. As leis são ótimas, o problema é a aplicação delas. Colocaram dumping sobre o pneu chinês e não mudou nada. Os chineses continuam com uma margem de lucro maravilhosa. Um pneu aro 13/14 custa, em média, US$ 35 e, eles declaram entre US$ 17 e US$ 18. O que adiantou? Nada.

Colocaram dumping sobre os pneus de carga da China. Eles declaram US$ 180 a US$ 200, mas o custo é de US$ 300. Não adiantou nada.

O que é necessário? Que o governo faça cumprir a legislação. É cuidar da fiscalização, punir a ilegalidade. Se o governo fizer isso, a partir de hoje a importação ilegal cai 50%, a concorrência leal se restabelece, os fabricantes locais vão continuar tendo concorrentes, produzindo melhor e com preço mais justo.

Diante de tantos desafios, como você vê o mercado para 2012?

RSC –O mercado para pneu importado deve manter seu ritmo de expansão de 30% ao ano. Isso se as regras atuais continuarem em curso.

Se o governo não acabar com o subfaturamento – porque é muito lucrativo e não oferece risco nenhum – a importação de pneus no Brasil poderá ganhar um novo status: ser denominada como tráfico e não como comércio legal.

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